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A carga perdida e a festa de casamento

A história da carga perdida e o desassossego na boda


Esta é uma história baseada em factos verídicos que poderia muito bem acontecer em qualquer uma das nossas aldeias.

(Primeiro episódio)

Algures na primeira metade da década de 1960, num dia qualquer de sábado, início de estação quente, um casamento acontecia, como tantos nesse tempo. Não eram festas de arromba como hoje, mas eram momentos especiais em que os pais da noiva não poupavam esforços e economias para possibilitarem às filhas uma almoçarada digna, após a cerimónia religiosa, de modo a que os familiares próximos e convidados falassem por longos anos do banquete que, no caso concreto, foi servido numa das habitações de determinada aldeia, numa sala que, não sendo espaçosa, dava contudo para as traseiras onde havia um amplo quintal com árvores frondosas e erva fresca, sobre a qual se organizaram mesas suficientes para todos se repastarem comodamente. Um caminho estreito situava-se mesmo ali ao lado, servindo eventualmente para qualquer necessidade ou até para desentorpecer os músculos das pernas.
Os noivos, os pais destes, os padrinhos de casamento e um número restrito de familiares mais chegados permaneciam em ambiente sossegado na dita sala e os restantes convidados, naquele quintal, onde a festa era muito mais animada, sobretudo após os apresigos, quando começaram a chegar as sobremesas: pudins, pães-de-ló, travessas de aletria e outras de leite-creme torrado, e também umas boas terrinas de salada de frutas.
Um convívio simples, bonito, onde nada faltou, como bem testemunhou quem me informou desta festa de casamento, também participante dela apesar de ainda criança. Até um bailarico se improvisou, tendo bastado para isso a recolha das mesas para um canto, retirando-se por precaução, aqui e ali, umas pedras soltas, não fosse alguém espalhar-se pelo chão entre dois passos de dança. Quem permaneceu na sala durante a refeição, agora com a música a ribombar no quintal, para este se deslocou, inclusivamente os noivos que não paravam de dançar no meio de uma roda de meninas e meninos muito divertidos. 
A dada altura, enquanto bailava, lembra-se a noiva da tia Alice Carolina que, anos a fio a tomar conta do moinho, após a partida precoce do marido, não tivera disponibilidade para acompanhar a sobrinha na sua festa de casamento. Extraordinariamente ocupada naquele dia, a tia Alice Carolina esmerava-se a satisfazer pedidos urgentes de farinha bem moída, a um tal de uma aldeia próxima, vindo das Áfricas há pouco tempo, e que resolveu envolver-se por cá com um dos seus familiares em certos negócios de bolas de carne. 
Então, a noiva, num certo desgosto de ali não ter a sua tia mais amiga, toca a preparar o “carolo”. Esta palavra ainda hoje é assim dita para significar bolo ou pedaço dele, oferecido a alguém muito estimado após a festa de casamento ou batizado. 
Numa cesta de verga muito arranjadinha, a noiva mandou colocar um pão-de-ló inteirinho, muito bem aconchegado numa toalha de estopa e envolto em papel vegetal, igual àquele que serve para cobrir as malgas de marmelada quando se expõem ao sol a secar.
Foram escolhidos três rapazelhos, dos mais responsáveis que por ali andavam a esta hora aos saltos e a jogar às escondidas por baixo das mesas, solicitando-se-lhes que deveriam transportar com eles aquela cestinha com o carolo, revezando-se conforme entendessem até chegarem ao moinho da tia Alice Carolina, lá em baixo no rio, a uma boa meia hora de caminho. Regressariam de imediato à festa do casamento e reunir-se-iam aos familiares mais velhos para comerem mais qualquer coisinha: uma talhada de pudim, um pratinho de creme e ainda teriam uma pequena surpresa se cumprissem bem a missão. 
E lá foram os três, contentes, caminho abaixo em direção ao rio, com todos os cuidados, tal como tinham prometido à noiva.

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