A carga perdida e a festa de casamento (II)NetBila'News Avançar para o conteúdo principal

A carga perdida e a festa de casamento (II)

A história da carga perdida e o desassossego na boda


(Segundo episódio)


Coitada da tia Alice Carolina! Após mais um dia nas lidas das farinhas e simultaneamente cumprindo os encargos domésticos, cansada de tanto trabalho e do som repetido da taramela*, vai reunindo a farinha para os sacos e acondiciona-os a um canto do moinho, que transportará mais tarde na jumenta e entregará aos seus clientes, percorrendo diversos caminhos da aldeia – uma localidade, ao contrário da generalidade de outras em redor, formada por pequenos aglomerados de casas dispersos, o que torna mais longos os destinos. Ainda por cima, dirige-se periodicamente à aldeia próxima da sua, de modo a acatar as exigências do cliente que regressou lá das Áfricas e não tolera quaisquer atrasos.
De cada vez que distribui a farinha pelos clientes, destes reúne mais sacos de grão, iniciando um novo ciclo de trabalho.
Pressente a tia Alice Carolina pelo restolho que alguém se aproxima, não sendo necessário grande força de pensamento para adivinhar as intenções de quem chegava. Bem sabia do casamento da sobrinha e não era de estranhar que alguém ali lhe trouxesse o carolo. Enquanto limpa o suor da testa, sorri de imediato aos rapazelhos que trazem consigo a cestinha. Logo os mandou entrar, dizendo-lhes para esperarem um pouco. Naquele instante, que teria para oferecer aos meninos? Ainda por cima bem satisfeitos com tanta comida boa lá na festa do casamento. Lembrou-se de uma botija do saudoso marido. Ninguém mais lhe tocara. Era agora o momento de lhe dar uso e retribuir o esforço da caminhada que os três moçoilos fizeram.
Apresenta-lhes assim uma garrafa meio cheia sobre um mocho de madeira velha que, ali mesmo ao lado da mó, serviria como mesa de honra aos pequenos visitantes. Três copinhos de formato antigo envolviam a dita garrafa, juntamente com a preocupação da tia Alice:
– É tudo o que de melhor posso oferecer-vos, mas tende cuidado meus meninos, pois mal sempre faz o que é tido em demasia. 

*Taramela: peça de madeira que bate sobre a mó do moinho enquanto esta gira, também conhecida por “tremelo”.

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