Trás-os-Montes: Viagem ao Coração Secreto e Autêntico de Portugal
Longe da agitação de Lisboa, das caves de Vila Nova de Gaia ou das praias douradas do Algarve, existe um Portugal pouco conhecido, uma terra de caráter que murmura os seus segredos a quem tem tempo de os escutar. O seu nome já soa como uma promessa de aventura: Trás-os-Montes. Literalmente, “Atrás das Montanhas”. Esta região do nordeste de Portugal é uma revelação. É um destino que não se limita a ser visitado; sente-se.
Aqui estão os pontos essenciais que os mais curiosos gostariam de conhecer sobre esta região fascinante:
1. Uma Geografia Selvagem e Contrastante: O Chamamento da Natureza
Trás-os-Montes é uma fortaleza natural. Historicamente isolada por barreiras montanhosas (as Serras do Marão, do Gerês e da Cabreira a oeste), a região desenvolveu uma identidade insular no meio de um território alargado. Para o amante de grandes espaços, é um paraíso rude e belo. A paisagem é dominada pelo granito e pelo xisto. A norte, o Parque Natural de Montesinho oferece extensões selvagens onde colinas arredondadas e vales profundos ainda abrigam uma fauna rica, incluindo o lobo ibérico. É uma terra de excelência para caminhadas, onde o silêncio só é interrompido pelo vento e pelo tilintar dos chocalhos dos rebanhos de cabras e ovelhas. O contraste surge a sul, onde a região mergulha no rio Douro. Aqui, a rudeza montanhosa dá lugar à obra espetacular do homem: os vinhedos em socalcos, classificados como Património Mundial da UNESCO.
2. Um Património de Pedra: A História a Cada Esquina
O visitante mais curioso, sensível às velhas pedras e às camadas da história, encontrará aqui um terreno de descoberta excecional. A região está repleta de vestígios que testemunham o seu papel estratégico como zona fronteiriça com Espanha. Os castelos medievais são numerosos. O de Bragança, uma das principais cidades, é particularmente impressionante. A sua cidadela, perfeitamente conservada, domina a cidade e ainda abriga um burgo medieval intramuros onde a vida continua. Mais a sul, o castelo de Numão ou o de Penedono recordam os tempos da “Reconquista” e as lutas para definir as fronteiras do jovem reino de Portugal. Mas a história aqui recua muito mais. A cidade de Chaves foi uma importante cidade romana, Aquae Flaviae. A sua ponte romana ainda atravessa o rio Tâmega, desafiando os milénios, e as suas águas termais, já apreciadas pelas legiões romanas, que continuam a atrair visitantes nos dias de hoje. Por toda a região, pontes medievais, pelourinhos manuelinos e pequenas igrejas românicas, muitas vezes construídas neste granito cinzento local, contam uma fé e uma resiliência seculares.
3. A Alma Transmontana: Tradições Vivas e Hospitalidade
Há um ditado português que diz: “Para lá do Marão, mandam os que lá estão”. Isto resume o espírito de independência dos transmontanos. O isolamento geográfico forjou um povo orgulhoso, resiliente, por vezes austero à primeira vista, mas de uma hospitalidade desarmante quando a barreira inicial é quebrada. É uma região onde as tradições não são folclore para turistas, mas uma realidade viva. O exemplo mais marcante são as festas de inverno, vestígios de ritos pagãos celtas ligados aos solstícios e à fertilidade. O Carnaval de Podence, com os seus “Caretos” – personagens mascarados, vestidos com trajes de lã colorida e carregados de chocalhos, que correm pelas ruas para “purificar” a aldeia – é uma experiência visceral, hoje reconhecida pela UNESCO. No extremo leste, em torno de Miranda do Douro, a identidade é ainda mais marcada. Ali fala-se uma segunda língua oficial de Portugal: o Mirandês, uma língua românica derivada do antigo leonês. Ouvir falar Mirandês é tocar com os dedos a complexidade cultural da Península Ibérica.
4. Gastronomia: O Triunfo do Fumeiro e do Terroir
Trás-os-Montes é uma festa inesperada. A cozinha transmontana reflete a paisagem e o clima: robusta, generosa, concebida para sustentar durante os rigorosos invernos. É uma cozinha de “subsistência” elevada à categoria de arte, graças à qualidade excecional dos produtos locais. O rei absoluto é o porco, e mais especificamente o fumeiro (enchidos fumados). A região produz os melhores presuntos do país, curados no ar frio das montanhas. Mas a estrela incontestável é a Alheira, não apenas a de Mirandela. A sua história fascina frequentemente os visitantes. A região é também o reino da castanha (a “Castanha” possui várias DOP – Denominações de Origem Protegida), que foi durante muito tempo o “pão dos pobres” antes da chegada da batata. Encontra-se nas sopas, como acompanhamento dos assados, ou simplesmente assada nas ruas no outono, ou ainda crua, simplesmente. Acrescente-se a isto um azeite de qualidade excecional (um dos melhores do mundo), méis de urze perfumados e a carne tenra do boi Barrosão. Tudo isto acompanhado pelos vinhos da região. Se o Porto e os tintos robustos do Douro são vizinhos, Trás-os-Montes possui a sua própria denominação, produzindo tintos surpreendentemente frescos e brancos minerais, perfeitos para esta cozinha de caráter.
Conclusão: Um Convite à Viagem Demorada
Trás-os-Montes não é um destino para turismo de massas ou visitas apressadas. É uma região que se aprecia lentamente, ao ritmo das estradas sinuosas e dos encontros nas aldeias de pedra. Para o viajante que procura reencontrar o sentido do tempo, o sabor verdadeiro dos produtos da terra e a ligação com uma Europa rural e autêntica, passar “atrás das montanhas” é uma experiência inesquecível. É descobrir o coração pulsante, orgulhoso e generoso do Portugal ancestral.

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