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As Heranças Judaicas em Trás-os-Montes

Heranças Judaicas em Trás-os-Montes
Práticas e vestígios

por Barroso da Fonte

"Trás-os-Montes" - Óleo sobre tela, de Amélia Raio
"Trás-os-Montes" - Óleo sobre tela, de Amélia Raio

Sempre curioso em conhecer o passado de Trás-os-Montes e Alto Douro, Província pobre e sempre maltratada pelos poderes públicos, como ainda hoje acontece, voltei as minhas leituras para os povos que nos antecederam e que por aqui deixaram práticas e vestígios que seguimos sem sabermos como.
Maria José Ferro Tavares, doutorou-se na Universidade Nova de Lisboa e foi vice-reitora da Universidade Aberta. Publicou, em 1970, um livro sobre os Judeus em Portugal no Século XIV. Em 2010, o Clube do Colecionador dos Correios publicou dela «as Judiarias de Portugal», com uma edição numerada e autenticada, pelo editor, com uma tiragem de 6 mil exemplares, contendo os selos das emissões filatélicas das obras A Herança Judaica em Portugal (2004) e as Judiarias de Portugal (2010). Coube-me adquirir o exemplar 4886.
Esta autora que conheci pessoalmente quando, nos anos noventa do século passado, vinha gravar alguns temas ao Paço dos Duques de Bragança, a Guimarães, que eu dirigia.
Leio, agora, o seguinte: «as heranças judaicas ocupam um lugar tal que, muito mais e melhor do que os historiadores, os nossos amigos antropólogos saberão explicar». 
Com toda a pertinência pergunta Maria José Ferro:
“Quem se lembrará, hoje, de que lavar as mãos antes das refeições era tido como uma prática judaizante? Ou quem comer um prato de açorda ou de almôndegas, ou as célebres alheiras de Mirandela, ou as amêndoas da Torre de Moncorvo, que está a repetir gestos alimentares ou medicinais que lhe vieram das presenças do Islão e do Judaísmo, em Portugal? O processo de inserção cultural e alguns comportamentos perderam o significado religioso e acabaram por se transformar em usos tipificados». 
Marques de Almeida, docente da Universidade de Lisboa, em artigo sobre as «Comunidades Judaicas na época moderna em Trás-os-Montes, cita, a este propósito José Leite de Vasconcelos e Maria José Ferro, para concluírem que «a sociedade portuguesa na passagem da medievalidade para as formações sociais da proto-modernidade pode rever-se na metáfora da nova idade» de que já falara Fernão Lopes. E todos estes autores concordam que «a bipolarização que a caracterizava devia-se ao facto de ter sido uma sociedade formada em região de fronteira. De múltiplas fronteiras, aliás: geográfica, religiosa, dos imaginários também. Não obstante, o processo de assimilação dos judeus pela comunidade cristã evoluía lentamente. Mas os batismos forçados, as expulsões que nunca foram, o afinar dos mecanismos repressivos do Santo Ofício alteraram o estado das coisas». 
É do conhecimento geral que a conquista da Lusitânia pelo Império Romano e a consequente destruição de Jerusalém, em cerca do ano 70 depois de Cristo forçou os judeus a espalhar-se pelo mundo. Muitos dessa «diáspora judaica» se fixaram pela Península Ibérica. Pelo século VI já existiam no território beirão, nomeadamente na freguesia de Lagos da Beira, inscrições funerárias. Por essa altura (409) os bárbaros (Visigodos) invadiram a Península. E uma consequência se deu: foram proibidos os casamentos mistos entre judeus e cristãos. E chegou a haver «uma conversão forçada ao cristianismo». Em 711, militares mouros invadiram a Península Ibérica e derrotaram os visigodos permitindo que os judeus, temessem, por um lado o seu destino, por outro lado, constatou-se que os judeus gozaram de relativa liberdade até ao século XV, chegando a ter grande destaque na sociedade portuguesa. Essa influência fez com que fossem decretadas normas que levaram à perseguição e à violência. Em 1492 foi decretada, em Espanha, a expulsão dos judeus. Uns refugiaram-se em Portugal, outros emigraram para onde puderam. O rei viu nisso uma forma de gerar receita, cobrando dois escudos (da época) por cada emigrante que por cá ficasse. Também ordem régia ordenou a venda dos judeus como escravos. As crianças entre os 2 e os 10 anos eram tiradas aos pais, baptizadas e transferidas para as ilhas de S. Tomé e Príncipe. D. Manuel I (1495) abrandou essa dureza contra os judeus. Mas com as duas guerras mundiais ainda o povo judeu sofreu bastante, a ponto de Salazar ver esse povo com olhos de mau humor.
Maria José Ferro dedica o V capítulo deste seu livro à ocupação do Além-Douro entre a densidade populacional e o despovoamento. E aí afirma que «as mais antigas comunidade de judeus viviam na região transmontana como: Bragança, Mogadouro, Monforte do Rio Livre e Chaves.

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