A véspera e o dia da "cozida" são de canseira
por Costa Pereira
A véspera e o dia da "cozida" são de canseira. Depois do moleiro ter acertado a data da entrega da "fornada", alguém é incumbido de a ir buscar. É uma missão que normalmente desempenha quem tem força e pernas desengonçadas, um pouco à semelhança do que sucede com os responsáveis por acarretar a lenha destinada ao aquecimento da água para a amassadura e do forno onde a "cozida" tem o seu epílogo.
Menos exigente é a tarefa confiada aos "raparigos" mais tenros, que se resume a terem de percorrer os caminhos e as cortes da aldeia, de cesto e "sacholo" na mão, em busca de bosta fresca, e quanto mais dura melhor, que depois de misturada com cinza vai servir para fixar a porta do forno evitando a saída do calor durante a cozedura.
Aprontada a masseira, vai a peneira entrar em acção. Para separar a farinha do farelo (este destinado à alimentação do "reco" e das "pitas"), toda a fornada tem de ser peneirada. Enquanto este trabalho decorre, acende-se a lareira para aquecer os potes ou panelas com a água que vai ser utilizada na confecção da massa.
Concluída toda esta fase, entra-se na que corresponde à amassadura, acto solene em que a seguir à "mistura" (junção de farinha de centeio à de milho), se tempera e despeja a água que vai diluir o fermento e o sal indispensáveis nesta delicada operação de amassar a fornada, que nunca termina sem uma oração, nem uma cruz ou mais, talhada sobre a massa, com a mão.
Há que esperar agora que a massa "alevede" e entretanto carrega-se o forno de lenha e apegasse-lhe o fogo para o aquecer devidamente. Logo que a massa atinja o crescimento máximo e o forno a temperatura ideal, iniciam-se os preparativos para enfornar as "peças". Antes porém, deve fazer-se o "ensaio" do forno, com a cozedura do "bolo" que consiste em desviar as brasas para um canto e assar ao lado um pedaço de massa retirado da masseira, que espalmado sobre a pá lhe toma o feitio arredondado.
É um petisco que ninguém dispensa no dia da cozida. Mas que convém ser moderado por quem governa a casa, sobretudo, quando em vez de simples, é comido no prato em "tibornas". Neste caso, não só a fornada como também o azeite, o vinagre e os alhos levam que contar em prejuízo da economia familiar.
Provado o bolo e observadas as condições que a operação seguinte exige, o forno é varrido e a massa em doses de tamanho equilibrado vai passando para a escudela, onde tomando a forma de "larota" mediante o acto de "escudelar", entra ordenadamente no interior do forno com o auxílio da pá de enfornar. Agora que esta fornada entrou no forno há que sabê-la poupar durante uma ou duas semanas pelo menos. Se não, na próxima diminui-se no bolo ou mesmo na tigela do fermento, visto que, na "maquia" é o moleiro rei e senhor.
Mas não vamos perder tempo com a governação de casa alheia, pois a bosta está pronta e a porta do forno colocada. E quem diria que aquelas mãos imaculadas da lavradeira que respeitando religiosamente todas as normas de higiene transforma a farinha em pão, se deixa agora humilhar com toda a simplicidade em contacto com as fezes de gado bovino só porque nesse pormenor de tapar as gretas do forno está o segredo duma cozedura mais harmoniosa! Ai pão, a quanto obrigas...
Duas ou três horas mais tarde abre-se o forno e passado algum tempo retiram-se as broas ou "larotas" que vão ser bem guardadas em casa, no armário do pão. O "pão de milho" de terras das Ferrarias de Entre Tâmega e Douro.
in Vilar de Ferreiros na história, no espaço e na etnografia
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