O Sebastião DinoNetBila'News Avançar para o conteúdo principal

O Sebastião Dino

O Sebastião Dino
por José Ribeiro

Vale do rio Pequeno, em Cabeda - Vilar de Maçada - encosta onde se situam as melhores quintas da povoação
Vale do rio Pequeno, em Cabeda - Vilar de Maçada,
encosta onde se situam as melhores quintas da povoação

A veia versejadora do Sebastião Dino


O Sebastião Dino foi um dos personagens mais castiços da Vilar de Maçada do meu tempo. A par do Simão da Eusébia e de mais uns poucos. Que são relativamente raras estas figuras cheias de carisma, riquíssimas de profunda filosofia sobre o mundo, sobre a vida e sobre o carácter das pessoas nas suas lucubrações aparentemente desconexas, inspiradas muitas vezes por um copito a mais…
Muitíssimas histórias cheias de humor, de sarcasmo ou de peripécias várias, ainda hoje se contam destes figurões, histórias essas que vão passando de geração em geração. E conta-se como sua a conhecida anedota do Mártir São Sebastião e da última e fatal seta que lhe feriu o coração, desabafo esse que transcrevo uma versão menos vernácula: «pois foi essa mesma que o «cozeu…»
Outra faceta talvez menos conhecida do Sebastião Dino é a sua veia versejadora, de que registarei aqui dois simples exemplos, mas bem significativos do profundo sarcasmo, num misto de humor e de amargura, com que Sebastião analisava o mundo à sua volta. 
À semelhança de outros, nados e criados no mundo rural e na dureza da vida dos pobres, nesse mundo e nessa época de classes sociais bem demarcadas e onde os mais pobres se iam conformando com esse destino, mas onde alguns como estes, mais lúcidos e mais críticos, não deixavam de registar, por um ou outro modo, o seu mais profundo e sentido protesto!
A quadra e a quintilha que abaixo transcrevo, saídas da verve inspiradíssima do Sebastião Dino, são excelentes exemplos de desabafos e de sarcásticos protestos, ditos a um tempo numa profunda e sibilina ironia, sobre essa duríssima vida dos trabalhadores das quintas no Douro - neste caso as referências são de quintas de Cabeda - de há algumas décadas atrás.

Estou na quinta dos Marinhos
onde bem canta a perdiz,
vim para aqui degredado
e não foi pelo mal que fiz.

Nesta quinta que é da Tomba
é um regalo aqui andar…
do almoço até ao jantar
e do jantar até à merenda
barriga sem nada anda!

Chamo a atenção do leitor para o seguinte: havia quintas onde a comida era mais generosa e outras onde era mais fraca. Na quinta onde fui nado e criado, a Quinta de Fornos, felizmente a comida era farta e boa. Era confeccionada pela «tia» Teresa Mesquita, natural de S. Lourenço e caseira da nossa quinta, mas que em solteira tinha sido empregada numa casa rica do Porto. Era uma excelente cozinheira e eu próprio quantas vezes arranjava estratagemas para comer alguns petiscos na sua cozinha… 
Outro detalhe a ter em atenção na quintilha do Sebastião Dino é a sequência correta das refeições. É que neste mundo rural duriense as refeições eram as seguintes: mata-bicho ao amanhecer, almoço pelas dez e meia da manhã, jantar ao meio dia solar, pela uma e meia da tarde, merenda ao meio da tarde e ceia ao cair da noite.
Assim estavam as refeições naturalmente de acordo com o ritmo de trabalho nesse mundo vinhateiro duriense em que na época de verão se dividiam os dias em duas metades e se ganhavam as «manhãs» desde o nascer do sol até ao meio dia solar – uma e meia da tarde – e depois se ganhavam as «tardes», depois de uma curta sesta, desde as três e meia até ao pôr do sol, com direito a merenda. 
A tal merenda que não aconchegou a revoltada barriga do Sebastião Dino… 
Ao cair da noite era a hora da ceia, as mais das vezes um singelo caldinho de couve ou de cebola. Que, quando bem confeccionados, eram bem saudáveis e bem deliciosos…

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Encontro com Delfim da Silva Monteiro, nas Paredes

Número de telefone para contactar o Sr. Delfim: 969179420 No lugar das Paredes, freguesia de S. Lourenço de Ribapinhão, o encontro espontâneo com Delfim da Silva Monteiro que, em tempos, me contou a lenda de Nossa Senhora das Candeias. Neste vídeo, em linguagem simples, muito expressiva, refere as curas que consegue a quem o procura, através da invocação de Nossa Senhora da Saúde!

Lenda da Nossa Senhora das Candeias

Paredes, freguesia de S. Lourenço de Ribapinhão Numa bela noite, 2 de fevereiro, ia um caminheiro com os seus dois cavalos carregados, que ficaram atolados naquele histórico atoleiro. Era homem de boas ideias. Pediu à Senhora das Candeias, foi ouvido e Nossa Senhora apareceu com uma candeia na mão; alumiou-o e seus cavalos desenterrou, acompanhando-o à povoação (Paredes). - Está visto que o homem tinha bom coração; diz o contador desta história - Delfim da Silva Monteiro - natural e residente naquele lugar. Era uma noite rigorosa com muita chuva e neve que apanhou desprevenido o almocreve. Nossa Senhora a esse homem disse que nada dissesse, mas ele não pôde resistir ao que viu. Foi um Milagre!  Cheio de alegria no seu coração, logo transmitiu e espalhou pela povoação. Toda a gente correu para as fragas daquele lugar, hoje conhecidas por Fragas de Nossa Senhora das Candeias, lindo lugar, digno de se visitar! - Desde esse tempo, a Senhora das Candeias das Paredes foi sem

Quadras populares a S. Gonçalo de Amarante

Quadras populares a S. Gonçalo de Amarante in «Aveiro do Vouga ao Buçaco» Enviado por Jorge Lage (…) Foguetes em S. Gonçalo Há festa na beira-mar! As velhas cantam de galo… Nunca é tarde p’ra casar! (…) S. Gonçalo, meu Santinho, Como tu não há nenhum! Arranja-me um maridinho Para quebrar o jejum… (…) Meu santinho, desespero, Repara na minha idade! Por favor, eu também quero O que quer a mocidade (Amadeu de Sousa – poeta popular) (…) S. Gonçalo de Amarante, Casamenteiro das velhas, Por que não casais as novas? Que mal vos fizeram elas? (…) Hás-de saltar as fogueiras À noite no arraial, Dançar com velhas gaiteiras Uma dança divinal. (João Gaspar) Quadras populares a S. Gonçalo de Amarante in «Aveiro do Vouga ao Buçaco», de Amaro Neves e outros. As festas e romarias fazem parte das festas cíclicas anuais e são precisas para a alma do povo como de pão para a boca. O povo tem remédio para tudo na Bíblia e nas tradições e saberes orais. Há santos, rezas, mezinhas e produtos do campo para tod