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O ciclo do pão

Morais - O ciclo do pão
por João de Deus Rodrigues

Ceifa e malha do trigo

(Reconstituição)

Morais, Macedo de Cavaleiros

Há já alguns anos que a freguesia de Morais, com o apoio da Câmara Municipal de Macedo, tem levado a efeito a reconstituição da ceifa e da malha do trigo. 
É sabido que as cópias, mesmo parecendo iguais, não são como os originais. Também aqui a ceifa e a malhada do trigo, não são como nos tempos em que eram a sério… Quando se saía de casa, antes do nascer do sol, acompanhado por uma burra com a cântara de barro cheia de água, nos alforges, e os vincelhos, para atar o pão, em cima da albarda… Hoje, quando os ceifeiros saíram para o campo já o sol ia alto, e todos partiram de automóvel… Às oito horas, começaram a juntar-se na Praça os ceifeiros: homens, mulheres e jovens. Lá estavam a Iria, a Maria, a Laurinda, a Dulce, a Isabel, o Domingos Afonso, o Alexandre Geraldes, o Manuel Morais, o João Ramos, o Luís, o Modesto Afonso (o lavrador que cedeu a leira de trigo para a ceifa) e tantos outros. Umas cinquenta pessoas, de seitoura (foice) em punho e dedais à cinta, que se juntaram ao Presidente da Junta, Mário Teles, e se dirigiram ao Figueiredo, para ceifarem o trigo... Pessoas jovens e menos jovens, vindas das cidades, e de França, acompanhados de familiares, que vieram reviver, com alguma nostalgia, a ceifa do trigo, e ouvir a Maria Teresa, e outros, a cantarem velhas cantigas dos ceifeiros, como a do “Lavrador da Arada”, enquanto jovens raparigas imitavam as velhas respigadeiras, apanhando as espigas que os ceifeiros deixavam no chão, fazendo os manhuços de espigas, como no tempo das suas avós. E a Catarina, com a cântara da água e a cabaça do vinho, ia matando a sede aos ceifeiros, que suavam em bica…
Pelas dez horas da manhã, o trigo estava ceifado, o pão atado e o mornal feito, como era hábito fazer-se. Em seguida, como já não há vacas, nem carros de bois a chiar nos caminhos, para fazer a acarreja, chegou o José Canadas com o trator e os segadores carregaram, nele, os molhos de trigo para os levarem para a eira, para junto da malhadeira, para serem debulhados.
Depois, mantendo a tradição, às dez horas foi servido o almoço aos ceifeiros. E, à sombra do velho sobreiro, a Maria Queijo, a Iria e outras mulheres, estenderam a tolha de linho no chão e serviram o almoço: as célebres sopas rijadas (pão de trigo, azeite frito, alho e pimentão doce), e uma posta de bacalhau e batatas cozidas, com casca. Tudo acompanhado com vinho tinto, produzido na aldeia, cerveja, pão e água… 
Depois do almoço, dezenas de automóveis rumaram à aldeia e cada um foi para sua casa, até às dezassete horas. Altura em que ia ser feita a malhada e servida a merenda. 
E assim foi. Pelas dezassete horas, trezentas pessoas, ou mais, dirigiram-se para a eira, onde o Manuel Geraldes tinha pronta a malhadeira, e deu-se início à malhada do trigo. Uns, chegando os molhos de trigo e alimentando a malhadeira; outros, com as velhas forquilhas de freixo, puxando a palha para o medeiro… Enquanto outros, refestelados à sombra, tiravam fotografias, para mais tarde recordar, e aguardavam pela merenda… 
Pelas dezanove horas, o pó da palha do trigo deixou de andar no ar. A malhadeira descansava, mais um ano, e as pessoas conviviam, alegremente, à volta das mesas onde havia, à disposição, peixes fritos, (de escabeche) do rio Sabor, bacalhau frito com ovo, pão de trigo, vinho tinto e cerveja.
Depois do repasto, bem regado, foi a vez de ouvir a Maria Teresa a cantar o fado! A Maria Teresa, uma fadista que, certamente, nunca entrou numa casa de fados, nem lhe ensinaram música, mas que canta o fado tão bem, ou melhor, que muitos fadistas, afamados. Pena é, o Carlos do Carmo não a ouvir cantar e ajudá-la a gravar um disco, para o museu do fado! 
No dia seguinte, segunda-feira, era dia de pica-o-boi (de trabalho), para muitos dos que ali se encontravam. A ceifa e a malha do trigo, deste ano, estavam terminadas, a contento de todos os presentes. 
Nesse dia, em Morais, não se falou de crise. Todos tinham convivido, em paz e harmonia, e alimentavam a esperança de que não haja quem “acabe” com as Freguesias e as suas tradições, ancestrais. Eles sabiam que tinham feito a sua parte. E tinham! Para o ano que vem, talvez haja mais, como se dizia lá… Oxalá que assim seja...

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