O pior para um pastor brioso era acancelar as reses cheias de fome
Os pastores
por Jorge Lage
Em finais da década de cinquenta, há cerca se sessenta anos, só na minha aldeia havia uns oito rebanhos de gado, a saber: dos Pinto Azevedo (de Vale Pradinhos – Macedo de Cavaleiros) cujo pastor era o António Mateus, de alcunha «o Sardinha» que tinha uma memória prodigiosa; do casal do Capitão Ilídio Esteves, sendo pastor o Abel Caldeiras, dos homens mais íntegros e sérios que conheci, embora tivesse mau vinho; do Correia de Oliveira onde pastoreava o Miguel Mateus; do meu tio, António José Lage; do meu pai, Eugénio Lage, cujo pastor mais marcante foi «o Canhoto» (Adriano); do Carlos Meireles, cujo pastor mais sonante foi «o Campainha»; o dos Abelhas, por vezes, com o Arlindo mais no trabalho de paquete e o Rôla (João) como pastor; e o do Casal dos Limas.

Com tantas cabeças de canhonas para alimentar não havia erva nem arbusto que crescesse muito. Incêndios só nalgumas moutas de silvas. E estas é porque não havia cabradas, se não, nem as silvas escapavam, porque dente de cabra é pior que fogo. Rapa e limpa tudo.
Incêndios? Só os que os carvoeiros provocavam, por distracção, quando «faziam» o carvão.
Mas, pastor que era mesmo pastor, antes de sair com as canhonas da corriça ou do bardo, ou até no dia anterior, traçava a «volta» do pastoreio ao raiar do dia ou ainda de noite. Muitas vezes, outro gado que saiu à frente e tomou a direcção que aquele ia tomar «obrigava» o pastor a escolher outra corda. Gados a andarem próximos uns dos outros não era aconselhado. Primeiro, porque as canhonas querem sossego para fazerem pela vida e, segundo, porque passar o gado, no mesmo dia, por onde já passou outro rebanho pouco deviam aforrar para o bandulho. Havia sempre recantos, naves, ladeiras, ribeiros ou montes da preferência do rebanho e onde ficavam, se não fartas, pelo menos compostas do bucho.
Por isso, dei muitas vezes com o meu irmão Eduardo a falar com os seus botões, que afinal era para corrigir a volta do gado naquele dia. Traçada a volta, por esta ou aquela corda, podia ser direcionada a qualquer momento para outro lado.
A pior coisa que podia acontecer a um pastor brioso e sábio era acancelar as reses cheias de fome. Ao chegar à corriça, ouviria os protestos com alguma berraria devido à fome. Os berros eram como espinhos cravados no peito do pastor. Era uma vergonha! Se outros topassem a situação seria alvo de chacota ou escárnio, no próximo adjunto da aldeia ou ao cruzar-se com algum mais mordaz.
Melhor dizendo, os pastores vigiavam-se uns aos outros. Os que andavam à volta do gado (ovino) olhavam para o corpo das canhonas, para a lã se era forte e brilhosa ou se os cordeiros estavam bem-criados e sabiam avaliar qual o melhor pastor da aldeia.
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