Responso de Santo António, enviado por Jorge Lage
Beato Santo António se lebantou,
Se bestiu e calçou
Suas santas mãos labou,
Ao Paraíso cortou.
Chigou ao meio do caminho
Com o Senhor se incontrou,
– Para onde bais, Beato Santo António?
– Com o Senhor eu bou.
– Tu comigo num irás
Que eu p’ro Céu subirei.
Tudo quanto me pedires te farei:
Cães e lobos com os dentes trabados;
Rios e regatos bão imbaçados;
Corações inimigos acobardados;
O perdido seja achado;
O esquecido, lembrado.
Peço ao Beato Santo António
…(pedido)… Pai Nosso...
(Avé Maria… Salve Rainha…)
in «Quem me dera naqueles montes…» de António Mosca
(As duas últimas orações são nosso acrescento)

Sempre que se perdia uma rês no campo, para além da perda material era sentida como se fizesse parte da casa de lavoura. Era sempre motivo de buscas para ver se encontrava morta ou viva. Ainda estou a ver há mais de cinquenta anos um corpulento carneiro, que ficou preso numas silvas na Recta Figueira (termo de Chelas). Passados uns dias, chegou ao povo, esfaimado, magro e com parte dos queixos comidos por uma doninha. Do rebanho de ovelhas do meu pai, de tempos a tempos, perdia-se uma ou cordeiro. Certo é que não apareciam. Dizia a minha mãe: – as nossas (ovelhas) parece que as vê o diabo! Por sua vez, as do meu tio quase sempre apareciam. A minha mãe atribuía essa diferença, dizendo que as do meu tio eram arresponsadas pela minha avó paterna. Havia algumas mulheres idosas que sabiam arresponsar e muitas vezes recorria-se a quem o fizesse, sempre que se perdia um animal ou objecto de grande valor ou de muita estimação. Arresponsar não era para qualquer uma e era-se visto como pessoa de mais algum poder. Tinha que ser toda a oração dita de forma encadeada sem se enganar. Quando a vontade de se encontrar era grande, a responsa repetia o pedido mais que uma vez. Quando toda a oração saía bem era certo que o perdido ou o desejado seria alcançado. Quando se enganavam tinham que recomeçar e repetiam até três ou mais vezes. Se as rezas continuassem a não ser bem encadeadas estava o “caldo entornado”. Até se chegava ao ponto de sentenciar se estava vivo ou morto, geralmente comido pelo bicho ou lobo. Na minha aldeia havia algumas mulheres que arresponsavam: a minha avó Zofina, a Tia Elisa (cuca), a Tia Rosaira (avó do Pompílio Ferreira) e a Tia Maria de Jesus (prima direita do meu pai e avó dos Meireles). Esta última era a senhora mais Senhora da aldeia. Arresponsava sempre o meu pai quando ia fazer algum negócio. Um dia, a tia Maria de Jesus informou a minha mãe que o meu pai tinha ficado sem o contrabando e foi mesmo como ela tinha dito. Para quase tudo o que sucedia numa casa de lavoura ou numa aldeia havia sempre uma oração propiciatória.
Jorge Lage
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