"Era no tempo da apanha", por Jorge LageNetBila'News Avançar para o conteúdo principal

"Era no tempo da apanha", por Jorge Lage

Ou da Barca!... Ou Ti Bnadito!...


Era no tempo da apanha, em que o rio gelado pela fúria das invernias e das neves derretidas na serra da Sanábria impunha respeito, indo pelas bordas e levando o meio cheio.

Rio Tuela, Chelas, Mirandela, antes de juntar-se ao rio Rabaçal, dando origem ao rio Tua

As maiores incertezas assaltaram o Ranhiço, quando passou o S. Sebastião. Depois, foi andar de mata cavalos até ao «Alto da Maravilha», que hoje é cruzado pela A4. Passada a Maravilha (maravilhoso mar de Oliveiras medievas), o protesto do Ranhiço andar a altas horas da noite era dada pelo afouto latir dos cães da «Azenha do Riça». Duzentos metros à frente lançou o primeiro grito a «barar» a gélida noite: - Ooouuuu!... E avançava com o coração apertado, apenas escoltado, à direita, pelo enorme muro de xisto da Quinta do Pinto Azevedo. Aqui o grito foi mais forte e o muro agigantou-se e viu-se encurralado entre um muro ligado à fraga e pela frente o marulhar baixinho da correnteza que parecia conversar com a amarradoura e o ancoradouro, indiferente ao intruso. Tomado de pavor ou morre ali regelado ou continua a gritar:  Oooouuu, barqueiro!... Ooouuu da Barca!... Ooouuu!...
Depois, passados longos e longos minutos ouvia-se a contra-senha:  Já bou!... Era o sinal de esperança e de certeza de uma noite dormida debaixo de telha.
Mais uns minutos lobrigou um vulto do lado de lá do rio que desentupia os bofes com umas tossidelas e os passos a estremunhavam a terra batida. Por fim rangiam os cadeados a ser atirados contra as travessas do casco da barca. A barca mexia-se, o ferrão do bareiro chapeava a cada bareirada para a frente e um gemido esforçado do Bnadito, e mais outro e estava no ancoradouro de lá:  Deus nos dê boa noute! – Boa noute nos dêa Deus! E fizeram a viagem de regresso.
Tenho saudades da Casinha. Era residência do barqueiro e a travessia estava sempre garantida. O Ti Bnadito ou o Ti João Pedro, sem resmungarem, davam a barca a qualquer hora do dia ou da noute, a algum retardatário da «Bila», a não ser que o Tuela se enfurecesse e fosse de monte a monte, em que eram precisos dois ou 4 barqueiros, de bareiros bem retesados.
A Casinha era um pequeno e exíguo casebre onde dormia o barqueiro. Sucedeu aos dois últimos barqueiros, com barco próprio, o Acácio da Maria Rosa e depois, da (companheira) Estrela.
Ainda tenho algumas saudades da Taberna do Policarpo e da filha Gracinda. Nunca os vi de mau humor, sempre agradáveis para a gente da minha aldeia.
Tenho saudades de ver os carros de bois carregados entrarem na barca passando por cima de duas grandes pranchas movediças e depois ser alavancada rumo à outra margem. Dos rebanhos de gado a atravessar na Barca grande, bem enterrada na água, carregada de canhonas e cordeiros que iam para a feira (dos 3, 14 ou 25).
Chelas era um pequeno porto fluvial, antes da construção da Ponte da Formigosa e das camionetas de mercadorias entrarem em Mirandela. Por ali se escoava grande parte dos carretos que vinham da corda de Cabanelas até Vinhais. Chelas tinha uma estação de carretagem e escoamento dos produtos agrícolas.

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