Uma história verdadeira contada por José Ribeiro
Em criança, lembro-me muito bem de ouvir falar na quinta de Fornes, em Cabeda, na margem esquerda do rio Pinhão, e no seu proprietário, o dr. de Fornes, assim era conhecido em S. Lourenço, do concelho de Sabrosa.
Vem isto a propósito de uma história verdadeira que me foi enviada, em 7 de maio de 2015, por um dos filhos do saudoso dr. de Fornes, o mais velho, o Engenheiro José Ribeiro, Professor Jubilado na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.
Aqui, nestas páginas do NetBila’News, deixo contada pelo José Ribeiro a dita história, simples, mas representativa das brincadeiras que eram usadas, em tempos idos, pela rapaziada mais nova, passada no santuário de Nossa Senhora da Saúde, em Saudel, freguesia de S. Lourenço de Ribapinhão.
![]() |
José Ribeiro |
Saudel, freguesia de S. Lourenço de Ribapinhão
Terreiro da Romaria da
Senhora da Saúde
Escrito por José Ribeiro
O Simão da Eusébia e o «rapto» da merenda na Senhora da Saúde
O Simão era outro dos inesquecíveis castiços de Vilar de Maçada, também com
muitas histórias que ainda se contam. Irei recordar uma peripécia passada com
ele e o seu grupo de amigos, aqui referidos como «bando», dada a maroteira em
que se meteram.
Assumindo o velho ditado de que os amigos são para as ocasiões, relembra-se
aqui de passagem uma outra peripécia passada com estes mesmos amigos do Simão,
tão amigos que não lhe levaram a mal o metafórico mas agressivo agradecimento
que ele lhes dirigiu, numa noite mais atribulada, logo que chegaram a sua
casa: Ó Eusébia traz aí um bocado de feno para estes burros que me carregaram
até aqui… Claro que não era para ofender. Era aquela verve, inspirada pelos
copitos a mais, sarcástica e metafórica de dizer as coisas um tanto ao
contrário que os amigos logo decifram e tão bem entendem e que aliás é muito
usada no «conversar» transmontano no seio de grupos e de
tertúlias.
A história que iremos recordar passou-se na Romaria da Senhora da Saúde, na
povoação de Saudel, na vizinha freguesia de S. Lourenço de Ribapinhão no
concelho de Sabrosa.
É uma das mais concorridas romarias da nossa região e tem o aliciante de ser
desdobrada em três partes, todos os anos nas mesmas datas: a feira de gado no
dia 7 de Agosto, a festa mais reservada aos naturais da freguesia no dia 8 e a
grande romaria no dia 9. Tem ainda outro grande aliciante: a acolhedora sombra
do amplo e magnífico terreiro recheado de frondosos castanheiros e carvalhos
aonde a festa decorre ao redor de uma capelinha e de uma fonte de água dita
milagrosa.
No dia da feira já diversas tendas se dispõem ao longo do referido largo e
nessas tendas petiscam-se deliciosas iguarias em que a vitela de churrasco é
rainha e senhora. Ou não se tratasse de uma feira de gado dominada pela
carismática raça maronesa. Tão eficiente nos carregos pelos tortuosos caminhos
da região, como deliciosa nas embraseiradas grelhas dum churrasco. Não
faltando nunca, para abrir o apetite, a tradicional e deliciosa malguinha de
tripas, e, no final, uma bem suculenta talhada de bom melão… Tudo acompanhado
pelo pão de lenha e pelo vinhinho do Douro, excelentes produtos das aldeias
vizinhas.
Ora numa dessas bem passadas tardes na feira da Senhora da Saúde aconteceu um
caso que ficou para contar… Um «rapto» de uma merenda.
E dizemos rapto em vez de rapinagem porque sem quererem propriamente chegar a
tanto, o grupo de amigos do Simão viu-se de repente numa situação inusitada
que poderia ter acabado muitíssimo mal… ou seja num verdadeiro
rapto!
O Simão, vilarmaçadense dos mais carismáticos e castiços, era o líder
dum grupo que rapinava parte das merendas guardadas na tenda do «Mata-lobos»,
sabrosense radicado em Vilar de Maçada, que apresentava nesta romaria uma das
melhores tendinhas da feira para as ditas petisqueiras!
Nesta crónica
vou denominar o grupo como «bando», pois costumavam fazer essas pequenas
bandidagens, que, vistas bem as coisas, nem sequer seriam muito graves,
até porque as merendas eram bem recheadas, sobrava sempre comida e eram
dos seus conterrâneos, involuntariamente solidários nessa repartição
clandestina das fartas merendas. Merendas essas em que nunca faltavam as
suculentas bolas de carne, cozidas de véspera nos fornos do pão, os nacos de
presunto e de salpicão, os inevitáveis bolinhos de bacalhau e muitas outras
iguarias simplesmente irresistíveis no meio daquele pó e daquela barulheira
toda onde a música do «dancing» se misturava com o chiar dos carrosséis e com
os estridentes anúncios dos feirantes. E eles que tão bem aproveitavam aquela
confusão toda para se escapulirem com um farnelzinho mais desarrumado, sem
ninguém dar por isso.
Só que numa determinada feira a coisa correu bastante mal. O tal farnel
que lhes chamou à atenção era uma cesta bem arranjadinha coberta de um paninho
de linho. Bom palpite: ali estava a bela merendinha daquela tarde e toca de a
acartar para o meio da mata.
Mas o diabo tece-as e quando abrem o pano de linho acabou-se-lhes o apetite e
uma enorme angústia tomou conta do grupo do Simão: era um bebé acordado
naquele momento a berrar com certeza pela mãe!
Não se sabe bem como acabou esta «merenda», mas por certo que o Simão e os
seus compinchas tiveram de se explicar muito bem aos pais e familiares do
«raptado» bebé, com a Guarda já no seu encalço.
Fico com a ideia que a partir daquela festa devem ter acabado as rapinadas e
clandestinas merendas do castiço grupo dos amigos do Simão.
Comentários
Enviar um comentário
Faça o seu comentário ou sugestão...