Ganhar a meia-noite
Convém assinalar que as vindimas - todo o processo que envolve o corte manual das uvas e o seu transporte para as adegas - são o culminar de todo um trabalho faseado levado a cabo ao longo do ano que envolve um maior número de pessoas, homens e mulheres bem dispostos unidos nas tarefas da colheita das uvas.
Convém assinalar que as vindimas - todo o processo que envolve o corte manual das uvas e o seu transporte para as adegas - são o culminar de todo um trabalho faseado levado a cabo ao longo do ano que envolve um maior número de pessoas, homens e mulheres bem dispostos unidos nas tarefas da colheita das uvas.
Na maior parte dos casos como nas grandes Quintas produtoras, hoje em dia, a popularidade deste trabalho fica-se pela vinha, ao cair da noite. Contudo, em tempos idos, os que carregavam, durante o dia, as uvas para os lagares tradicionais, aqui continuavam, após o jantar, a laborar com o mesmo entusiasmo e com a mesma alegria, desta vez enfiados em enormes tanques de pedra repletos de cachos. Estes lagares existiam mesmo nas casas de famílias cujas posses eram mais humildes. Cada uma dessas famílias, ao contrário do que agora acontece, fabricava o seu próprio vinho. Assim, pela noite dentro, desde as 20:00 até às 24:00 horas, os que carregavam durante o dia os cestos, entravam nos lagares pisando as uvas. "Ganhar a meia-noite" era a expressão usada para este período de trabalho nos lagares.
Não era fácil esta tarefa, ao contrário do que possa parecer. Em finais do mês de setembro e princípio de outubro, sobretudo nas zonas mais afastadas do rio Douro, a brisa fria da noite já se faz sentir e a temperatura das uvas amontoadas nos lagares provoca um pequeno choque térmico quando pés e pernas até ao meio da coxa começam a calcar e a esmagar os bagos, separando a polpa da casca. Sente-se este processo de trituração enquanto se faz o "corte". Esta palavra, o "corte", significa a primeira passagem pelas uvas do lagar em toda a sua extensão, de um modo cadenciado. O grupo de lagareiros, em fila, ao lado uns dos outros, unidos nos ombros pelos braços, percorrem ritmados toda a área do lagar, muitas vezes ao som da música ou do ritmo de um simples bombo ou da voz do mandante. Por vezes é feito novo corte, em sentido contrário. Depois das uvas devidamente "cortadas", os lagareiros percorrem agora o lagar aleatoriamente. Parece tudo mais fácil. É nesta altura que começam as histórias, as anedotas, os ditos e alguns jogos escolhidos para estas ocasiões. Entre o corte e esta parte mais descontraída costumava comer-se uma "bucha" - refeição ligeira. Em casas mais abastadas, a refeição a meio da lagarada não era assim tão leve; umas boas batatas com bacalhau eram bem apreciadas, principalmente quando regadas com um bom azeite e "dois" bons copos da colheita do ano anterior. Não raras vezes, um ou outro, no meio das histórias e entusiasmados pelos jogos, mergulhava no mosto agora mais fluido.
O cansaço vinha sempre ao de cima: as dores de costas e as contrações dolorosas dos músculos; as pernas, frias, pareciam perder a circulação sanguínea; a doçura do mosto colava-se nas pernas provocando comichão, com incidência na dobra, por trás dos joelhos. Chegados ao fim, toca a lavar. O vermelhão escuro não sai por completo, mesmo com as próximas lavagens.
- Isto só faz bem..., dizia satisfeito o dono das uvas!
Comentários
Enviar um comentário
Faça o seu comentário ou sugestão...