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A lenda da aldeia de Morais

Morais, Macedo de Cavaleiros, aldeia medieval por João de Deus Rodrigues Morais, Macedo de Cavaleiros, é uma aldeia medieval anterior à nacionalidade. Diz-nos o Abade de Baçal nas suas “Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança – Tomo VI, pág 328”, o seguinte: «Gonçalo Rodrigues de Morais é o primeiro que acho em esta cidade e povoou o lugar de Morais, a que deu o nome...». Isto, aconteceu no ano de 1119 e, sendo assim, o lugar já existia. Aliás, o Pinho Leal, no “Portugal Antigo e Moderno”, confirma-o. Mas Morais também foi Comendador das Ordens Militares do Templo, de Malta e de Cristo. Numa Monografia de Balsamão, de 1859, encontra-se a seguinte passagem: “Em a freguesia de Morais, tiveram as Ordens do Templo e de Malta uma herdade que lhe foi deixada por D. Frolbe e Martim Pires, no reinado do Senhor D. Affonso II, como se achou pelas inquirições de El Rei D. Affonso III em o julgado de Lamas de Orelhão, a 18 de Novembro de 1258”. Penso que essa propriedade se situar

A Cozida

A véspera e o dia da "cozida" são de canseira por Costa Pereira A véspera e o dia da "cozida" são de canseira. Depois do moleiro ter acertado a data da entrega da "fornada", alguém é incumbido de a ir buscar. É uma missão que normalmente desempenha quem tem força e pernas desengonçadas, um pouco à semelhança do que sucede com os responsáveis por acarretar a lenha destinada ao aquecimento da água para a amassadura e do forno onde a "cozida" tem o seu epílogo. Menos exigente é a tarefa confiada aos "raparigos" mais tenros, que se resume a terem de percorrer os caminhos e as cortes da aldeia, de cesto e "sacholo" na mão, em busca de bosta fresca, e quanto mais dura melhor, que depois de misturada com cinza vai servir para fixar a porta do forno evitando a saída do calor durante a cozedura. Aprontada a masseira, vai a peneira entrar em acção. Para separar a farinha do farelo (este destinado à alimentação do "reco" e das

As Heranças Judaicas em Trás-os-Montes

Heranças Judaicas em Trás-os-Montes Práticas e vestígios por Barroso da Fonte "Trás-os-Montes" - Óleo sobre tela, de Amélia Raio Sempre curioso em conhecer o passado de Trás-os-Montes e Alto Douro, Província pobre e sempre maltratada pelos poderes públicos, como ainda hoje acontece, voltei as minhas leituras para os povos que nos antecederam e que por aqui deixaram práticas e vestígios que seguimos sem sabermos como. Maria José Ferro Tavares, doutorou-se na Universidade Nova de Lisboa e foi vice-reitora da Universidade Aberta. Publicou, em 1970, um livro sobre os Judeus em Portugal no Século XIV. Em 2010, o Clube do Colecionador dos Correios publicou dela «as Judiarias de Portugal», com uma edição numerada e autenticada, pelo editor, com uma tiragem de 6 mil exemplares, contendo os selos das emissões filatélicas das obras A Herança Judaica em Portugal (2004) e as Judiarias de Portugal (2010). Coube-me adquirir o exemplar 4886. Esta autora que conheci pessoalmente quando, nos

A Ceia Abençoada

Ceia abençoada: reviver de memórias e tradições por Jorge Lage Foi num dos primeiros anos da segunda metade da década de setenta e, apesar das más estradas nacionais, todos os anos, na época natalícia, voltava à casa paterna. A candeia a petróleo já tinha sido posta na pilheira, de adorno, a palha tinha deixado o piso das ruas, e embora a minha alma continuasse a aspirar o calor e o aconchego da casa paterna e o crepitar do lume na lareira me embebedasse a memória da meninice, as panelas (potes de ferro e de três pés) ao lume eram as mesmas e os bancos mochos quase paravam o tempo. Depois de um dia de viagem e vencidas as curvas das montanhas do Alvão e da Padrela o que vinha mesmo a calhar era a ceia em família. A minha mãe costumava dizer que se comia o que a casa dava. E a casa dava para as noites de inverno um grande esqueiro de lenha para aquecer tudo e todos, o pão do forno, as batatas, com as couves tronchudas e o azeite cheiroso até à medula dos ossos. Esquecia-me do fumeiro, d

A festa começou

A festa começou por Jorge Lage Enquanto a banda "bai" jantar, o "pobo" "bai" cear Recuem aos anos cinquenta e sessenta, quando a maioria das aldeias do nosso concelho não tinham luz eléctrica. Na escuridão da noite era a candeia, o lampião, o gasómetro, o petromax e o candeeirinho de mesinha de cabeceira. Em finais dos anos sessenta, à luz da candeia, na mesa da cozinha, li muito do Eça, dos Lusíadas, do Gil Vicente e dos autores, perfilados na «Selecta Literária» do António José Saraiva e Óscar Lopes, e dos medievos trovadores e cronistas. Os meus pais viam na luz mortiça da torcida e do murraco gasto o meu trabalho. E tínhamos pensamentos antagónicos. Eles pensavam que o meu trabalho de estudo era mais custoso, porque «dava cabo da cabeça» e eu achava que era um privilegiado, que o estudo era férias, porque trabalho era o braçal e extenuante da faina campesina. Fosse como fosse, vamos ser realistas, trabalho duro

Criar um Filho

Criar um filho na década de cinquenta do século XX por Jorge Lage Havia todo um ritual com os filhos Falar sobre o meu passado e dos meninos da minha aldeia, a sessenta anos de memória ou mais, para quem se encontra pelos setenta, não é tarefa fácil, exigindo muita concentração e algumas consultas aos meus irmãos vivos, cuja memória é diferente da minha, porventura menos extensa. Em criança, quando via passar à minha porta uma mulher prenhada e já andava muito devagar ou via movimentos apressados da «Julha» do Fena, parteira da aldeia, por «reforma» da Tia Antónia do Xico Maria, para alguma casa ou casebre era certo que ia parir. Os garotos iam todos para a rua ou para casa de alguma vizinha, porque aquilo era obra de mulheres. Com bacias de água quente e rezas pelo meio lá vinha a notícia de mais um raparigo e que era beijado por toda a família, como se fosse o «bilhete» para fazer parte do clã. Nunca me lembro de vir algum médico à aldeia por uma situação mais complicada. Não havia d

Apontamento Histórico de Mirandela

Apontamento Histórico de Mirandela Nota explicativa de Jorge Golias Enviado por Jorge Lage Rua Luciano Cordeiro, Mirandela (vista parcial) (...) O facto de as ossadas se encontrarem fora das muralhas do castelo e, portanto, ser estranho haver construções ali, deve-se ao facto de, em 1518, já não haver castelo de pé (O Padre Ernesto Sales, in Mirandela-Apontamentos Históricos, no Vol I, pág.49 , escreve: «No começo do séc. XVI já nada restava do castelo, e pouco das muralhas que foram traçadas para defesa da vila»). Com efeito o castelo de Mirandela, tardio, talvez o último de Portugal, dos primeiros anos de 1300, foi o primeiro a desaparecer. D. Dinis quis prendar a sua amante, D. Branca Lourenço, doando-lhe Mirandela, e protegendo-a com um roqueiro que, quando acabou de ser construído, não

Aldeia de Talhas

Duas lendas da aldeia de Talhas, Macedo de Cavaleiros por João de Deus Rodrigues Talhas é, actualmente, uma das 38 freguesias do concelho de Macedo de Cavaleiros, e uma das mais antigas e laboriosas do distrito de Bragança. Tem uma área aproximada de 45 quilómetros quadrados e situa-se na margem direita do Rio Sabor. O seu orago, é o arcanjo São Gabriel. Aldeia antiga, dizem que é da Idade do Ferro, tem um núcleo de arte rupestre a merecer estudo dos arqueólogos. O topónimo de Talhas, segundo os genealogistas, deriva do latim “TINALIA” que significa talha ou vaso. José Leite de Vasconcelos na “Revista Lusitana” - Volume XXXV, pág. 313, no artigo Etimologia de Talhas, escreve, e passo a citar: «Tealas= a Tealhas, é o plural de tealha..., vasilha que devia ser de dimensões grandes (…). Imagino que talha, por evolução linguística, veio, em tempos remotos, a significar sepultura aberta em um penedo, ou em uma laje (…). Tendo-se constituído um povoado num

Santa Bárbara (Oração)

Oração a Santa Bárbara, enviada por Natividade Vilela A Natividade Vilela, depois de ler no blogue NetBila o responso a Santa Bárbara, contra as trovoadas, enviado por Jorge Lage, sentiu o desejo de recomendar uma outra oração de seu conhecimento, também a Santa Bárbara.  Expresso um agradecimento especial à Natividade pela sua gentileza, não deixando de o ser, mesmo acabada de sair do hospital!  A Natividade não adiou para mais tarde o envio ao blogue NetBila da oração a Santa Bárbara que aqui transcrevo: Santa Bárbara se vestiu e se calçou Suas santas mãos lavou Ao caminho se deitou Jesus Cristo encontrou. E Jesus lhe proguntou Tu Bárbara onde vais? Eu não vou nem deixo de ir, Só ao céu quero subir Para espalhar esta trovoada Que no céu está armada. Vai Bárbara, espalha-a por onde não haja pão nem vinho, nem bafo de meninno Nem pint

João de Deus Rodrigues

João de Deus Rodrigues, Prémio Nacional de Poesia 2011 Fernão de Magalhães Gonçalves João de Deus Rodrigues João de Deus Rodrigues nasceu na aldeia de Morais, concelho de Macedo de Cavaleiros, no ano de 1940. É casado e pai de dois filhos. Em 1961 foi para Lisboa, como militar, tendo depois ingressado no Ministério da Economia. Em 1970 é colocado no Ministério do Exército – Fábrica Militar de Braço de Prata – e mais tarde ficou a pertencer ao Ministério da Defesa Nacional, de onde é aposentado. Fez o Curso Complementar dos Liceus e frequentou cursos profissionais na IBM Portuguesa, e um curso de desenho e pintura. Fez exposições individuais de pintura e participou noutras coletivas, nacionais e internacionais, tendo sempre como tema dos seus trabalhos a Ruralidade. Trabalhou, ainda, doze anos na atividade seguradora.  Para além da escrita, colabora em a

O ciclo do pão

Morais - O ciclo do pão por João de Deus Rodrigues Ceifa e malha do trigo (Reconstituição) Há já alguns anos que a freguesia de Morais, com o apoio da Câmara Municipal de Macedo, tem levado a efeito a reconstituição da ceifa e da malha do trigo.  É sabido que as cópias, mesmo parecendo iguais, não são como os originais. Também aqui a ceifa e a malhada do trigo, não são como nos tempos em que eram a sério… Quando se saía de casa, antes do nascer do sol, acompanhado por uma burra com a cântara de barro cheia de água, nos alforges, e os vincelhos, para atar o pão, em cima da albarda… Hoje, quando os ceifeiros saíram para o campo já o sol ia alto, e todos partiram de automóvel… Às oito horas, começaram a juntar-se na Praça os ceifeiros: homens, mulheres e jovens. Lá estavam a Iria, a Maria, a Laurinda, a Dulce, a Isabel, o Domingos Afonso, o Alexandre Geraldes, o Manuel Morais, o João Ramos, o Luís, o Modesto Afonso (o lavrador que cedeu a leira de trigo para

As sardinheiras da Torre de Dona Chama

Torre de Dona Chama, concelho de Mirandela Jorge Lage Torre de Dona Chama, Mirandela As sardinheiras eram um grupo de pessoas pobres que, num Portugal rural e com muito pouca mão-de-obra assalariada, tentava conseguir o sustento para a sua casa e fintar a morte pela fome. Contudo, as lavradeiras pequenas e remediadas ao verem-lhe fazer negócio, lançavam para o ar o dito: «a sardinheira vende sardinha e come galinha». Inicio esta memória deste comércio móvel rural pela Torre de Dona Chama por ter conseguido os dados com facilidade. Ao arrolar a enumeração dos que se dedicavam à venda da sardinha cabeçuda, da escochuda ou escochada (sem cabeça) e do chicharro, à volta dos anos cinquenta, temos um rol de sardinheiras e sardinheiros: a Tia Lucília, o Ti Carlos Costa Polimenta, a Tia Maria Gucha, a Tia Marquinhas Guerra, o Ti Tavares e a Ti Maria Calhelhos.

Responso a Santa Bárbara

Responso a Santa Bárbara, contra as trovoadas enviado por Jorge Lage Santa Bárbara Bendita se vestiu e se calçou suas santas mãos lavou Jesus Cristo encontrou e o Senhor perguntou: - onde vais Bárbara? - Senhor, eu ao Céu vou. - Vai, Barbarinha, vai manda esta trovoada para onde não haja pão nem vinho, nem bafo de menino pequenino. Onde só haja uma serpente sem nada que lhe dar senão aguinha da fonte e areias do mar. Pelo poder de Deus e da Virgem Maria, um Padre Nosso e uma ave Maria. (Barroso da Fonte in «55 Orações Marianas» - 2013, de Manuela Morais) Nota: Numa má hora da tormenta podia ir toda a colheita. Santa Bárbara (Oração)

Cantaria e perpianho

A arte da cantaria e do perpianho por Jorge Lage Os canteiros de Abadim - Terras de Basto A arte da cantaria e do perpianho Há muito tempo me encantei pelos poemas, recordações e escritos do amigo Abílio Bastos, carpinteiro de profissão, de grande carácter. Emigrante de sucesso e artista da madeira na América. Por isso convenci-o, contra a sua vontade, a ir-me passando algumas memórias escritas. Assim, partilho mais um «poema inédito» de 1963 e que nos fala da arte da pedra dos canteiros. Mais, este curto apontamento etnográfico, da dura e artística labuta da pedra, aparecendo a quadra abaixo como forma de aliviar o esforço titânico dos pedreiros, fazendo, com ajuda de roldana, içar as cantarias trabalhadas para as paredes das casas. Em 1960, os artistas de Abadim (sob a orientação do mestre) reconstruíram a Igreja de S. Nicolau, ordenada pelo grande abade

Desouriçadores

Desouriçadores de Castanha Desouriçadores de castanha Nas suas pesquisas pelos caminhos da etnografia, Jorge Lage, escritor enraizado na cultura popular, persistente na busca e na preservação da verdade dos costumes antigos, muito especialmente da sua região - Trás-os-Montes -, especialista na temática que envolve a castanha e o castanheiro, oferece, através dos seus escritos e dos seus livros, muito da história antepassada das gentes transmontanas. Jorge Lage, contribuidor assíduo deste blogue - o NetBila -, enviou-nos desta vez uma foto por si obtida no Museu Etnográfico de Aldeia do Bispo - Guarda - “Museu da Castanha". Esta imagem faz-nos lembrar que não é fácil extrair, apenas com as mãos, as castanhas dos ouriços - invólucros espinhosos onde se desenvolve o fruto do castanheiro. Assim, os antigos, para esse efeito utilizavam instrumentos adequados - os desouriçadores de castanha.

O Sebastião Dino

O Sebastião Dino por José Ribeiro Vale do rio Pequeno, em Cabeda - Vilar de Maçada, encosta onde se situam as melhores quintas da povoação A veia versejadora do Sebastião Dino O Sebastião Dino foi um dos personagens mais castiços da Vilar de Maçada do meu tempo. A par do Simão da Eusébia e de mais uns poucos. Que são relativamente raras estas figuras cheias de carisma, riquíssimas de profunda filosofia sobre o mundo, sobre a vida e sobre o carácter das pessoas nas suas lucubrações aparentemente desconexas, inspiradas muitas vezes por um copito a mais… Muitíssimas histórias cheias de humor, de sarcasmo ou de peripécias várias, ainda hoje se contam destes figurões, histórias essas que vão passando de geração em geração. E conta-se como sua a conhecida anedota do Mártir São Sebastião e da última e fatal seta que lhe feriu o coração, desabafo esse que transcrevo uma versão menos vernácula: «pois foi essa mesma que o «cozeu…» Outra faceta talv

Douro: carrego atribulado

Um carrego atribulado do carreiro Benedito por José Ribeiro Estávamos em meados dos anos cinquenta e seguia o seu caminho normal de Vilar de Maçada para o Pinhão pela estrada de Sabrosa com uma pipa de vinho tratado para uma casa inglesa o carreiro Benedito e os seus dois ajudantes, os três já bem «tratados» também com umas pinguinhas surripiadas à dita pipa.  Era relativamente fácil matar a sede num néctar tão tentador como era uma pipa de quinhentos litros de vinho fino, ali à mão, transportada na solidão de um caminho e na pachorrenta chiadeira de um carro de bois… Com um pequeno escopro e umas pancadinhas laterais aliviava-se um bocadinho um dos aros, uma verruma fina fazia o furinho no espaço entre aduelas por onde uma palhinha seria o biberão para tal deleite! Com um bocadinho de sebo no furo e re-apertado o aro da pipa, ficava tudo como à saída do armazém.  Mas aquele carrego, nessa tarde escaldante de verão pela estrada de Sabrosa,

A história da «Casa da Máquina»

A casa da máquina de meu avô Zeferino por José Ribeiro Ruínas da Casa da Máquina, em Vilar de Maçada A história da «Casa da Máquina», como era conhecida uma destilaria de aguardentes vínicas fundada por meu avô materno Zeferino Alves Rodrigues, começa em Parada do Pinhão, no vizinho concelho de Sabrosa, donde meu avô era natural, sendo seu pai e meu bisavô, Rodrigo Rodrigues Alves, Juiz de Paz e correligionário de António Teixeira de Sousa de Celeirós, casado em Sanfins, último Primeiro Ministro da monarquia com D. Manuel II.  O meu avô, por volta de 1910 mudou-se com a família toda para a vizinha povoação de Vilar de Maçada (a minha mãe e meus tios e tias eram tão crianças que sempre se consideraram vilarmaçadenses, tendo já aqui nascido os dois mais novos, César e Cassilda). Essa curta «emigração» que iria ditar o destino da nossa família deveu-se a uma razão muito pragmática: A freguesia de Parada do Pinhão está fora da Região Demarcada do Al

O casamento trinta anos adiado

O casamento trinta anos adiado por José Ribeiro Capela de Cabeda O casamento trinta anos adiado da Maria da Fonte com o Herculano do Côto Esta Maria da Fonte nada tinha a ver com a heroína do Alto Minho do tempo da Patuleia. Mas foi também a heroína de uma comovente história de amor passada ao longo da segunda metade do século passado. A Maria da Fonte era uma bela mulher de Cabeda. Ainda a conheci muito bem, já mulher madura. Foi sempre uma bonita mulher, elegante, aloirada e de porte senhorial, apesar da dureza da vida de aldeia, no ganha pão do dia a dia. Tanto mais com quatro filhos para criar, filhos do seu amado Herculano Ribeiro, mais conhecido por Herculano «do Côto», nome de um bairro da aldeia, bairro de bons artífices e de exímios caçadores. Tempos desgraçados aqueles! Jornas de cinco mil réis, mal davam para a brôa que daria um bocado de «sustância» ao caldinho da ceia... E o Herculano, a certa altura, mais precisamente no ano da graça de 1947, resolveu botar-se a emigrar

Padre Fontes

Padre Fontes enviado por Eugénio Mendes Pinto Romance de uma vida (excerto) Montalegre Ando bem disposto, apesar do mau tempo que se tem feito sentir pelas bandas do Barroso. Hoje, o Sol abriu o cinzento e foi possível ver o azul do mar no céu. Não quero transformar o texto em poesia. Tudo quero simples como a minha simplicidade. Levantei-me cedo, pois este silencioso aroma da manhã obrigou-me a deixar os lençóis. Mas ando com azia. Penso que é do vinho doce que uns amigos me trouxeram do Porto. Delicioso esse mel. Não resisto àquele sabor da cor do sangue de Cristo, sem fermentações. Divino. É nestas pequenas coisas que Deus existe. Julgo que não estou a dizer nenhuma atrocidade. Deus está nas pequenas coisas, nos momentos que ficam para a eternidade, na beleza, na harmonia. Mas deixemos Deus repousar no dia que amanhece. Levantei-me, estive a escrever uns pequenos textos, celebrei missa e, como sempre, vim para a câmara. Durante a viagem de Vilar de Perdizes para Montalegre atravesso