O Minério do Poço Palheiro
por José Ribeiro
José Ribeiro, filho do bem conhecido e saudoso «doutor de Fornos», da quinta de Fornos, Cabeda.
Aquele poço está testinho de minério!
Os serões na Quinta de Fornos, como era costume na aldeia, eram sempre
passados no escano à volta da lareira. Lido «O Primeiro de Janeiro» com as
notícias do país e do mundo, e comido o apresigo e o caldinho da ceia,
preparada nos potinhos de ferro com excelência, carinho e singeleza pela
nossa mãe, era o nosso pai quem monopolizava a temática do serão.
Como exímio divagador que era, tanto poderia vir a lume uma historinha
passada na aldeia como a que irei aqui relatar, ou outra qualquer passada na
sua roda de amigos de Vila Real, cujos pontos de encontro eram o Café
Excelsior e o Clube.
Também poderiam vir à baila algumas das suas preocupações com a vida
duriense, dada a sua condição de lavrador do Douro, plenamente assumida após
ter deixado de lado a profissão de médico a partir dos anos 60. Também eram
frequentes as suas lúcidas reflexões sobre as tais notícias do país e do
mundo, quase sempre intercaladas com amargos e bem sarcásticos desabafos
contra o regime salazarista, pois o nosso Pai também se assumiu desde sempre
como um ferrenho reviralhista.
A história que aqui se relata é uma das passadas na aldeia, no tempo do
minério e nesta saga o nosso Pai foi ele próprio um dos principais
protagonistas.
Estava-se no começo dos anos quarenta em plena segunda guerra mundial. Mas,
neste eldorado português, vivia-se a época deslumbrada do volfrâmio, do
minério, da fortuna rápida, do novo-riquismo, do caldo verde com pão-de-ló e
da nota de conto de réis como acendalha de charuto…
Toda a gente nas aldeias ali à volta do Vale das Gatas, uma das maiores
minas do Norte concessionada aos alemães e sob a administração do
encarregado-geral Herr Dithmer, sonhava com o minério! Nada mais lógico, com
um filão daqueles ali à mão, ele havia de aparecer fosse onde fosse…
E assim aconteceu. Um belo dia um rapazito de Cabeda apresenta-se com
minério no Largo do Olival e toda a aldeia entrou em alvoroço. Pudera,
aquela pedra, pesada e reluzente como um diamante negro, era enorme, era
toda a concha da mão! Ó rapaz onde foi que a apanhaste? Junto ao poço
palheiro, na beirada do rio…
O raciocínio não podia ser outro: aquele poço está testinho de minério! E
não era um poço qualquer. É dos mais fundos de todo o rio Pinhão, duas
cordas de carro de bois bem medidas! P`ra mais! E está mesmo ao direito do
filão do Vale das Gatas onde muitos homens daquelas aldeias à volta, tirados
da lavoura na força da vida, trabalhavam como mineiros, deixando em cada
noite, uma «procissão» de gasómetros de carboreto, uma luzeira de pirilampos
pelas encostas do vale acima, desde a ponte da Quinta de Fornos e do moinho
do «Penacho» até ao regato de S. Lourenço junto às escombreiras da mina.
Situada esta mina no vale do mesmo rio, um tanto a montante, estava-se mesmo
a ver que as pepitas do minério trazido pelas águas ao longo dos tempos e
pesadas como são, haviam de ser arrastadas pelo rio abaixo e encher de
«volfo» todo o fundo do poço. Um maná de minério ali à mão! Uma fortuna à
distância de uns metros de água… Era só esvaziá-lo!
Foi o que logo pensaram dois instruídos cabedenses, meu próprio Pai, Eduardo
Ribeiro, o «doutor de Fornos» como era conhecido, e o seu amigo e sócio
Alberto Figueira, o Senhor Abertinho «Perafita» como era respeitosamente
tratado na nossa aldeia, e o epíteto de Perafita provinha do facto de seu
Pai ser oriundo de Perafita, povoação da vizinha freguesia de Vila Verde.
E se bem o pensaram melhor o fizeram. De pronto contrataram uma dúzia de
homens, desviados dos granjeios das vinhas, para fazer uma levada de desvio
das águas e contrataram para a mesma empreita os bombeiros de Cheires a fim
de esvaziar o poço. Passados dois ou três dias de empreitada seguida, chegou
a ansiada hora de, com o fundo do poço à vista, preparar a colheita… o volfo
havia de ser às sacadas… Mas o homem põe e Deus dispõe!… Depois de muitas
pazadas de areia e lodo e dúzias de bogas e escalos, a escapulirem-se pela
levada fora, de minério… nem um grãozinho para amostra!...
«Não estava escrito que haveríamos de ser milionários»…, comentava com
ironia o nosso pai ao serão da lareira, quando nos contava esta frustrada
aventura volframista do poço palheiro supostamente cheiinho de minério…
Devo rematar esta historiazinha em que dois senhores de Cabeda não tiveram
sorte com o «volfo», lembrando que, pelo contrário, houve um senhor de Vilar
de Maçada, mais rigorosamente, de Paços de Sabrosa mas casado e radicado em
Vilar de Maçada, compadre de meu Pai, o Senhor Júlio Monteiro, que, esse
sim, foi um dos afortunados com o minério. Acresceu uma favorável
circunstância a favor deste e de muitos outros sortudos transmontanos –
alguns deles personalidades bem conhecidas da sociedade vilarealense –
amealhadores de razoáveis proventos ganhos nos negócios do volfrâmio.
Essa favorável circunstância foi a de que o Director Geral de Finanças que, no
Ministério governamental em Lisboa, no após guerra, ficou encarregado do
dossiê dos respetivos impostos, era um ilustre vilarmaçadense, o
respeitadíssimo Senhor Diretor Abel Sampaio, por coincidência pai de meu
falecido cunhado e grande amigo de infância, Mário Sampaio, autor de uma das
Monografias sobre a nossa terra. Esse Senhor Diretor foi algo benevolente
nessas contas, restando deste modo mais recursos financeiros para investir em
Trás-os-Montes.
Gostei de ler e relembrar velhas temáticas! è claro que há muito mais para contar, naquilo que foi a sorte para alguns, o sonho para muitos e a desgraças de bem mais!
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